terça-feira, 8 de janeiro de 2008

VIOLETAS

O quarto estava úmido. Um vento frio e irritante circulava no ambiente. A atmosfera estava confusa, ele não sabia se orientar no tempo. A cama com lençóis brancos e travesseiros largos. A cama era grande, mas só havia ele ali. Não sabia se no restante da casa poderia encontrar alguém, por isso decidiu não gritar. Afastou o medo súbito que queria dominá-lo. Olhou para frente como se no horizonte houvesse alguma fresta de esperança, algum ponto sinalizando o caminho. Que caminho? Sabia apenas que existia, o resto eram apenas pontos flutuantes na densa memória. Viu uma janela de grandes proporções. Estava aberta. Viu violetas. Bonitas violetas, parecia que era um jardim. Um jardim bem cuidado, repleto de violetas. Resolveu observar as violetas que balançavam vagarosamente pela fraca corrente de ar. E por minutos esqueceu da única coisa que lembrava: que existia. Sua existência foi esquecida como toda sua história. A cor e o perfume das violetas o havia levado para o vazio. Por segundos visitou o vazio. Não quis procurar respostas lá, deixou que as coisas tomassem seu curso natural. Sentiu seu corpo leve. Dormente, voltou para si.
Uma coisa o intrigou, percebeu que estava nu embaixo dos lençóis. A nudez o incomodava, aumentava sua agonia. Procurou ao redor da cama se havia roupas. Não havia. Conformou-se e começou a olhar para si mesmo. Talvez desta maneira pudesse lembrar de alguma coisa. Algo o animou: a satisfação do seu corpo. Gostou dele próprio. Mas a falta de respostas e também de perguntas o fez voltar para o nada. Continuou a observar o ambiente. Do lado esquerdo da cama um criado-mudo com um livro. Estirou o braço e leu o título: Vidas Secas, Graciliano Ramos. Engraçado, era como estava sua vida: seca. Teve preguiça de começar a ler, se é que já não havia lido.
Uma idéia começou a atormentá-lo. Pensou na possibilidade de estar morto. Uma lágrima escorreu de seu rosto. O mistério da morte. Ninguém sabia o que havia depois que a vida acabasse. Acalmou-se e teve a única certeza até agora: a que estava vivo. Sentia profundamente que estava vivo. Derramou mais uma lágrima, como se estivesse feliz pela vida que pensara ter perdido. Então achou que tudo aquilo era um sonho, ou talvez um pesadelo. E resolveu tentar dormir para quando acordar tudo estivesse resolvido. Acomodou-se entre os lençóis, encostou sua cabeça no travesseiro visualizando Vidas Secas e dormiu.
Acordou. A sensação era mesma, mas desta vez com uma única diferença. Olhou para esquerda e viu o livro, olhou para frente e viu as violetas. Quando olhou para seu lado direito havia uma mulher. Uma mulher nua. Seus cabelos ruivos e longos caídos sobre ombros de pele branca, lisa e de cheiro forte. Dormia. Começou a olha-la. Surpreendeu-se com sua beleza. Seu corpo desenhado no equilíbrio de suas curvas. Não entendia. Nada fazia sentido. Quem era ela? Ou melhor, quem era ele? O que estava se passando. Percebeu que a mulher havia acordado. Olhou para os seus olhos. Não acreditou no que viu. Sentiu o doce do castanho-mel de suas pupilas. Ela abriu um sorriso enigmático. Ele também sorriu.
Um desejo louco começou a dominar sua mente. Não quis saber quem era ela, o que fazia ali. Não resolveu perguntá-la nada. Começou aproximar seus lábios do dela. Beijaram-se. Beijos demorados, recheados com a paixão e com o mistério. E os dois corpos em pouco tempo unidos transformaram-se em um só. Um prazer indescritível na dormência de suas carnes. O suor que escorria de seus corpos umedecia mais ainda o ambiente. O cheiro das violetas passava pelas suas narinas e despertava mais ainda o desejo. Depois de algum tempo ele dormiu. Antes de adormecer planejou para quando acordar perguntar todas suas dúvidas a ruiva, àquela mulher que tinha propiciado o momento mais gostoso desde que havia despertado naquele mundo louco. Adormeceu por horas...
Acordou. A sensação já não era a mesma. Havia uma alegria dentro de si. Lembrou do que tinha acontecido antes de dormir, a alegria aumentava. Olhou para o seu lado esquerdo, não havia o livro. Olhou para o direito. Não havia a ruiva. Desaparecera. Estava novamente só. Quis chorar. Engoliu as lágrimas. Onde estava a mulher? Mas havia violentas, apenas violetas...