quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Poema Horizontal

Vontade de vomitar palavras vis veladas em papel toalha da cozinha de minha casa. Fumar palavras nicotina numa única sina de tragar todo tranco da cidade. Trocar o texto sob o pretexto do contexto não coincidir com a realidade. Real moeda é troco de burguês a mendigo falta-pão sobra-alcool. Velejar rima com remos curtos entre ondas oxidadas pelo ferro ferido da ferrugem. Nadar com as algas e encontrar algoritmos matemático-metafísicos sintéticos a priori. A posteriori pular na profunda profusão de parafusos metafóricos de metáforas incompreensíveis. Tecer com um galo a manhã melosa desses dias que se parecem nublados. Ler João Cabral de Melo Neto pensando em Vinícius mil sonetos suados ao amor com prazo de validade. Jogar bola no asfalto preto ao fundo do muro escrito Abaixo a Ditadura. Dura lex sed Lex. Se meu nome fosse Alex odiaria a fonética do táxi e pneumotórax. Eis o x da questão: vender-se ou doar-se, vestir-se ou despir-se, aparecer na tv ou tomar coca-cola assistindo a vida seguir labirintos hiperbólicos como se turva fosse a realidade. Real grana de gringo na gangorra de criança falta-sonho sobra-fome. Picotar mil pedaços miúdos mulheres que maldizem gays lésbicas travestis trans pans clãs de prostitutas adeptas do pecado original. Aniquilar homens ratos que roem e corroem gays lésbicas travestis pans apostólicos romanos adeptos do pecado original legal. Juntar versos decassílabos pintosas com livres enrustidos em Bacantes Bahias e Guanabras. E leio no jornal:
MALUF DETIDO

As piadas parecem perecer com o passar do tempo. Veja Cabral. Cobrou de El-Rei o suficiente para aposentar-se em solo brasileiro. Agora ele gerencia um banco de empréstimos consignados. Há quem diga que fundou a Igreja Lusitana dos Tropicalistas dos Últimos Dias. Alegria Alegria hoje tem goiabada de marmelo e marmelada de goiaba. Puta quem o pariu fica um puta palavrão quando precedido de porra. Louca pátria deitada em berço de maternidades manchadas pela placenta do ventre esquecimento. Esqueceu Maria que hoje é sexta-feira. Dia de levar para feira feijão fubá milho cajá. Cajazeiras são plantas toscas onde rolinhas aristocráticas brincam de educar paraíbas potiguares e tabajaras. Peri amou Ceci assim como eu amo parir vogais e consoantes desconexas ou não na madrugada. Na minha rua nesse exato momento o rato roeu a roupa do menino que cheirou cola e dorme embriagado sob a luz do poste. Real bufunfa de caridosos filantropos a cheira-colas sobra-cola falta-luz. A cobra depois de fumar um baseado ofereceu a Eva que baseado no artigo I dos direitos humanos que reza:


TODAS AS PESSOAS NASCEM LIVRES E IGUAIS EM DIGNIDADE E RESPEITO. SÃO DOTADAS DE RAZÃO E CONSCIÊNCIA E DEVEM AGIR EM RELAÇÃO UMA ÀS OUTRAS COM ESPÍRITO DE FRATERNIDADE.

Ofereceu Eva o baseado a Adão baseado no espírito de fraternidade. Eis que baixa a pomba-gira e expulsa todo mundo do paraíso. Puta quem o pariu fica um puta palavrão quando precedido de porra. Manual de como terminar um poema horizontal. 1. Releia todas as aliterações e perceba qual consoante do alfabeto ficou fora da brincadeira lingüística. 2. Repare nas metáforas ou outras figuras de linguagem soltas de sentido e destaque-as com fonte em negrito: talvez seja o que você melhor produziu. 3. Saiba que sua produção literária pode fazer sucesso no exterior, por isso, coloque notas de rodapé informando as personalidades que você citou a exemplo de Maluf1 e Cabral2 (não deixe para os tradutores, eles são tecnoburocráticos). 4. Por fim, louve seu orixá e peça-o que nenhum fundamentalista literário crucifique-o ou decepe sua orelha, ou mesmo leve-o para fogueira, por qualquer subversão escrita. Penso diariamente no ofício de escritor e tenho plena convicção que a loucura humana reside nas entre-linhas.

- FIM -

1. Maluf: político brasileiro acusado de envolvimento em inúmeros casos de corrupção. Ninguém sabe o fato dele ser absolvido das acusações: realmente inocente ou uma justiça que falha desde os tempos de Cabral.
2. Cabral: português que descobriu o Brasil em 1500 por uma sorte de pegar ventos que desviaram sua rota no Atlântico.