sábado, 24 de maio de 2008

Eu!

Quero rir das vossas caras caricatas. As mesmas caras que eu vejo na TV. As caras impunes, vencidas pela monotonia da rotina planejada. Quem vos acorda é o despertador? Eu me levanto com o ruído dos personagens dos meus sonhos. Sim, eu sonho. E nos meus sonhos não existe espaço para as palavras baratas, compradas ou alugadas que saem cuspidas de bocas mercantis. Minhas propagandas estão no meu riso irônico, nos ambientes que desprezo, dos comentários que dispenso e da antipatia que lanço àqueles que experimento e não encontro sabor. Gosto de devorar as pessoas e perceber o tempero que elas tem a me oferecer. Ultimamente minha língua adaptou-se ao insosso. Quero rir pela certeza da inveja que provoco naqueles que procuram o otimismo improvável do dia-dia. Meu riso para os que se sentem superiores, para os metódicos que não entendem que alguns nascem para contrariar as leis e regras, mesmo que elas sejam estúpidas e banais. Meu gingado e musicalidade para os usuários de blazers. Minha androgenia para machos e fêmeas que se limitam na seleção natural dos imbecis. Meu grito irritante nos ouvidos dos que povoam espaços cercados por arames ideológicos. Saio pela rua como louco e como louco rodopio pelas palavras, pelas imagens fotografadas dos outdoors e pelos papéis sujos do jornal. Sou filho do Verbo. Irmão dos pronomes possessivos. Sou a conjugação exata do presente do indicativo. Sou mais, sou o futuro imperfeito dos sujeitos que teimam em se ocultar.


Saulo de Tasso Russo Barreto

quarta-feira, 14 de maio de 2008

A casa e o lixo

Essa casa é grande demais para mim. Ela não me cabe. Foi construída para ter uma vida própria. As janelas gritam palavrões. As portas me ingnoram. Todos os outros cômodos interagem e fingem não me ver. Essa casa não é minha. Não sei como vim morar aqui. Os quadros desenham o incoveniente dos meus passos. As lâmpadas se apagam quando passo. Minha respiração provoca o vômito nas torneiras. Pela manhã, os fogões se acendem. A noite, a geladeira escancara sua porta. Os colchões me comprimem quando deito. A mesa resmunga numa língua que eu não entendo. A porta principal está aberta. Ela dá para um corredor claro onde o infinito se mistura com as possibilidades escuras do meu medo. As vezes ouço uma voz dizer que a culpa é minha. Reconheço um pouco de mim nos tijolos sobrepostos e na tinta amarela das paredes. As paredes são neutras e isso me faz desconfiar delas. O chuveiro derrama lágrimas de ódio. O ralo consola-o dizendo que eu não demorarei a ir embora. Quando o relógio da parede emite um ruído informando que são cinco horas da tarde, o interfone toca. Toca três vezes. Atendo e não escuto nada. As flores dos vazos passam o dia falando mexericos. As garrafas d´águas sempre se lamentam. As panelas se envolvem em brigas com os garfos, colheres e facas. De tudo, sinto um ar de cordialidade do lixeiro. Não me aproximo muito. O lixo me sorri gratuitamente. O mal cheiro dele não me incomoda. As moscas que nele pousam parecem ser suas amigas. Sinto vontade de falar com o lixo e todas as suas imundices. O lixo deve estar apaixonado. Já vi rascunhos de carta de amor com ele. Vi também uma foto, mas não identifiquei de quem era a imagem. O lixo da minha casa, se é que é minha casa, fica solitário num canto abandonado. O lixo é tratado como um coitado. Mas ele não liga. Me incomoda quando a casa me ingnora. O lixo não. Vive sorridente. Não existe tempo mal para ele. Sempre recebe as escórias, mas nunca perde o bom humor. Talvez se me unir ao lixo supere o resto da casa. Talvez não. É dificíl viver como o lixo. Mais difícil ainda é transpor aquela porta aberta. Admiro o lixo. Mas nãoq uero uma total aproximação. Um dia quero ser um lixo. Um lixo humano só, numa casa que me tortura por suas intolerâncias.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

OVERDOSE

Dei minha cara à tapa. Fui lá, chinguei, pisei, gritei e soltei todo o sarcasmo acumulado de dias de insônia. Não tive a mínima paciência que me pediram para ter. Falei tudo o que devia. Passei na cara as dívidas, os erros, as mágoas. Rasguei a tua roupa. Rasguei a minha roupa. Ouvi palavrões, gritos, sussurros. Ouvi a máquina de escrever da delegacia. Ouvi o delegado. Ouvi o choro da minha mãe no telefone. Nada disso me acalmou. Cheguei em casa e tomei o litro do uísque. Quebrei o copo no chão da sala. Peguei um caco de vidro e cortei a minha pele que transpiarava rancor, ódio. A TV exibia um filme de amor. Soltei uns dois ou três palavrões e corri para o banheiro. Vomitei todo o meu espírito. Joguei para fora tudo o que em mim prestava. O mundo ganhou um inimigo. A partir de hoje as minhas palavras serão destinada àqueles que por um motivo foi vítima da cobrança para serem mais humanos. A partir desse instante, as pessoas não vão passar de indivíduos reduzidos em suas verminoses. Lutarei contra o uso dos bactericidas. Quero que a raça humana volte a sua condição de microorganismo. Não sei bem ao certo o motivo que me levou a ser tudo isso. Nem sei bem ao certo o que sou: anjo, demônio, homem, mulher, criança. Apenas me recordo do seu rosto calmo, e suas palavras saindo de sua boca e entrando no meu ouvido. Do meu ouvido, as suas palavras desceram pelo vasos sanguíneos e chegaram no meu sistema digestório. Essas palvras foram degradadas pelo meu ácido clorídrico. Foram trasnformadas em escremento. A última coisa que ainda aparece nas bolhas de minha memória foi o teu adeus sem lágrimas e a minha esperança em prantos.

Saulo de Tasso Russo Barreto