quarta-feira, 14 de maio de 2008

A casa e o lixo

Essa casa é grande demais para mim. Ela não me cabe. Foi construída para ter uma vida própria. As janelas gritam palavrões. As portas me ingnoram. Todos os outros cômodos interagem e fingem não me ver. Essa casa não é minha. Não sei como vim morar aqui. Os quadros desenham o incoveniente dos meus passos. As lâmpadas se apagam quando passo. Minha respiração provoca o vômito nas torneiras. Pela manhã, os fogões se acendem. A noite, a geladeira escancara sua porta. Os colchões me comprimem quando deito. A mesa resmunga numa língua que eu não entendo. A porta principal está aberta. Ela dá para um corredor claro onde o infinito se mistura com as possibilidades escuras do meu medo. As vezes ouço uma voz dizer que a culpa é minha. Reconheço um pouco de mim nos tijolos sobrepostos e na tinta amarela das paredes. As paredes são neutras e isso me faz desconfiar delas. O chuveiro derrama lágrimas de ódio. O ralo consola-o dizendo que eu não demorarei a ir embora. Quando o relógio da parede emite um ruído informando que são cinco horas da tarde, o interfone toca. Toca três vezes. Atendo e não escuto nada. As flores dos vazos passam o dia falando mexericos. As garrafas d´águas sempre se lamentam. As panelas se envolvem em brigas com os garfos, colheres e facas. De tudo, sinto um ar de cordialidade do lixeiro. Não me aproximo muito. O lixo me sorri gratuitamente. O mal cheiro dele não me incomoda. As moscas que nele pousam parecem ser suas amigas. Sinto vontade de falar com o lixo e todas as suas imundices. O lixo deve estar apaixonado. Já vi rascunhos de carta de amor com ele. Vi também uma foto, mas não identifiquei de quem era a imagem. O lixo da minha casa, se é que é minha casa, fica solitário num canto abandonado. O lixo é tratado como um coitado. Mas ele não liga. Me incomoda quando a casa me ingnora. O lixo não. Vive sorridente. Não existe tempo mal para ele. Sempre recebe as escórias, mas nunca perde o bom humor. Talvez se me unir ao lixo supere o resto da casa. Talvez não. É dificíl viver como o lixo. Mais difícil ainda é transpor aquela porta aberta. Admiro o lixo. Mas nãoq uero uma total aproximação. Um dia quero ser um lixo. Um lixo humano só, numa casa que me tortura por suas intolerâncias.

Um comentário:

Jhon disse...

ADOREI!! Muito bom, apesar de toda a revolta! rsrs