Essa casa é grande demais para mim. Ela não me cabe. Foi construída para ter uma vida própria. As janelas gritam palavrões. As portas me ingnoram. Todos os outros cômodos interagem e fingem não me ver. Essa casa não é minha. Não sei como vim morar aqui. Os quadros desenham o incoveniente dos meus passos. As lâmpadas se apagam quando passo. Minha respiração provoca o vômito nas torneiras. Pela manhã, os fogões se acendem. A noite, a geladeira escancara sua porta. Os colchões me comprimem quando deito. A mesa resmunga numa língua que eu não entendo. A porta principal está aberta. Ela dá para um corredor claro onde o infinito se mistura com as possibilidades escuras do meu medo. As vezes ouço uma voz dizer que a culpa é minha. Reconheço um pouco de mim nos tijolos sobrepostos e na tinta amarela das paredes. As paredes são neutras e isso me faz desconfiar delas. O chuveiro derrama lágrimas de ódio. O ralo consola-o dizendo que eu não demorarei a ir embora. Quando o relógio da parede emite um ruído informando que são cinco horas da tarde, o interfone toca. Toca três vezes. Atendo e não escuto nada. As flores dos vazos passam o dia falando mexericos. As garrafas d´águas sempre se lamentam. As panelas se envolvem em brigas com os garfos, colheres e facas. De tudo, sinto um ar de cordialidade do lixeiro. Não me aproximo muito. O lixo me sorri gratuitamente. O mal cheiro dele não me incomoda. As moscas que nele pousam parecem ser suas amigas. Sinto vontade de falar com o lixo e todas as suas imundices. O lixo deve estar apaixonado. Já vi rascunhos de carta de amor com ele. Vi também uma foto, mas não identifiquei de quem era a imagem. O lixo da minha casa, se é que é minha casa, fica solitário num canto abandonado. O lixo é tratado como um coitado. Mas ele não liga. Me incomoda quando a casa me ingnora. O lixo não. Vive sorridente. Não existe tempo mal para ele. Sempre recebe as escórias, mas nunca perde o bom humor. Talvez se me unir ao lixo supere o resto da casa. Talvez não. É dificíl viver como o lixo. Mais difícil ainda é transpor aquela porta aberta. Admiro o lixo. Mas nãoq uero uma total aproximação. Um dia quero ser um lixo. Um lixo humano só, numa casa que me tortura por suas intolerâncias.
Para Paco
Há 12 anos
Um comentário:
ADOREI!! Muito bom, apesar de toda a revolta! rsrs
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