terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Os quatro Bêbados

É que nossos pais não nos educam para os vícios. E assim ficamos nos envenenando com a língua queimada de prazer. Quatro bêbados que cruzam as ruas. Que transborda revolta e suspira um devir. Nas escadas, tropeços. Nas ladeiras, pecado. Quatro bêbados e quatro peitos esfaqueados de esperança. Suas histórias não serão impressas. Ao menos que seus canivetes marquem árvores, calçadas e postes. Assim, infinita-se um escarro de vida. São esses quatro bêbados que cantam para os jardins orvalhados de cotidiano. Que se misturam às escórias e que escutam as palavras lançadas gratuitamente de bocas insones. Por que a madrugada é ambígua. Para uns, chegou a hora de serenar este corpo que empresta ao espírito a possibilidade dele gozar seus erros íntimos. Mas como tudo que se empresta, o corpo cobra com reajustes toda célula degradada e todo tecido rasgado. Para os quatro bêbados, e tantos outros quatro bêbados que as ruelas testemunham existir, a madrugada se resume aos vômitos desesperados. As tonturas que multiplicam o mundo em inúmeras maneiras de ser. As lembranças de um presente recente e os gritos de paixões mal resolvidas. É que as paixões são feitas de sal. Elas destroem nossos sistemas e explodem um único órgão apelidado de coração. Esse, que palpita o poeta, acelera em notas compassadas, como música. E também é compassado o andar dos quatro bêbados. Vestidos como mendigos. Ou são os mendigos os bêbados embriagados de negações? Anda-se por andar. É que as avenidas foram feitas para carros e somos obrigados a nos esbarrar por entre calçadas estreitas e esburacadas. Vez por outra nos olhamos e raramente nos reconhecemos. Não! Eles não querem a piedade. Não querem preces, nem ajuda. Os quatro bêbados só peregrinam atrás de alguns trocados. É que fomos vendidos ao dinheiro. No primeiro bar, os quatro bêbados vão compartilhar o trago amargo da cachaça. E nas casas, sob o céu de uma Lua indiferente às lágrimas – porque ela é a musa dos versos, das pinturas e dos cantos – os demais dormem na hora marcada e experimentam o porre da lucidez.

4 comentários:

Lella Cristina. disse...

Gosto da maneira que você usa os adjetivos, muito bom Saulichto! Tá arrazando!!

Anônimo disse...

Escreves lindamente.
É profundo, faz pensar, prende a tenção.
Saudações.

Thiago Sampaio disse...

Excelente meu caro.

bocadepoema disse...

adoro esse, eu voto!